Governo da pós-graduação

Fonte: http://ppgcom.espm.br

Este texto é parte do pronunciamento do Dr. Cláudio de Moura Castro no encontro promovidos pelo Conselho Federal de Educação, tematizado em torno da questão da qualidade do ensino superior. Disponível na publicação “A propósito da qualidade do ensino superior no Brasil”.

Gostaria de falar a respeito do problema do que se poderia chamar o governo da pós-graduação. Antecipando a conclusão, já antes de apresentar o argumento, o governo da pós-graduação é um governo de coalizão. É um governo que deve ter uma dimensão anárquica, no sentido original da palavra e que, corre sempre o perigo de ter em exagero uma dimensão anárquica no sentido leigo da palavra. Ocorre que a pós-graduação é um ponto nodal de vários sistemas. Essa dimensão de encruzilhada repercurte na forma em que ela é governada. A pósgraduação é o fim de linha do ensino formal com as implicações que daí resultam.

… a pós-graduação é, por excelência, o centro de pesquisa e reflexão e, conseqüentemente, é também a consciência crítica da sociedade.

De ser um ponto nodal de vários sistemas, legalmente a pósgraduação está governada por vários conselhos: CFE, Cons. Nacional de Pós-Graduação e CNPq. Ou seja, sob o ponto de vista legal tem três patrões. Tem chefes demais? Todos sabemos que quando há chefes demais, não há chefes. Patrão demais é muitas vezes equivalente à ausência de patrões.

Paralelamente a esse governo normativo há a dimensão de financiamento da pós-graduação que também já revela esta confluência e multiplicidade. A pós-graduação é financiada pelo orçamento do MEC, pelas agências paralelas ao MEC como a CAPES, por outros ministérios como por exemplo: CNPq, FINEP, pelas empresas e por fundações filantrópicas. Portanto, muitos financiam a pós-graduação, configurando um sistema extremamente complexo.

Desse ponto nodal resultam certos temas que lhe são muito centrais:

Em primeiro lugar, há o dilema do pluralismo versus centralismo na pósgraduação.
Em que medida o sistema deverá ser centralizado?
Em que medida ele deverá ser plural, com muitos focos de pequenas decisões?
Certamente que esta não é uma questão fácil e nem admite respostas simples.

Em segundo lugar temos uma questão de dinâmica endógena versus dinâmica exógena. É extremamente saudável que agências externas desequilibrem a pós-graduação; é bem-vinda a desarrumação produzida pelos dinheiros e estímulos de fora.

Ao mesmo tempo, a estes desarrumadores tem que corresponder alguns arrumadores e, no caso, esta é a responsabilidade do MEC. O MEC deve ver com bons olhos essa criação de desequilíbrios, mas ele tem que assumir a função de rearrumar essa pós-graduação desarrumada pelas agências externas.

Assim, órgãos como SESu e CAPES têm que zelar pelo reequilíbrio. Existe então uma tensão dialética entre o desequilíbrio de fora e o papel das agências dentro do MEC de rearrumar a pós-graduação. Existe um equilíbrio muito delicado entre o dirigismo na pesquisa e uma certa autonomia que leva cada universidade, cada grupo de pesquisa e cada pesquisador individual a encontrar-os seus próprios rumos.

Não creio que alguém hoje defendesse uma autonomia completa do pesquisador ou um dirigismo completo da pesquisa. O dirigismo seguramente mata a criatividade, a originalidade, as buscas de caminhos próprios e essa dimensão aleatória, ou aparentemente aleatória do processo de busca de novas idéias, novos fatos, e novas descobertas e, principalmente, da concatenação desses ingredientes.

Temos que buscar – estando perfeitamente cientes de que sempre estaremos mal satisfeitos – esse equilíbrio precário entre dirigir e não dirigir, em deixar o pesquisador buscar os seus próprios rumos da ciência, ao mesmo tempo em que buscam certos denominadores comuns de temas, criando condições onde se produza massa crítica em certas faixas. Mas ainda, cumpre tornar essa busca compatível com os interesses do País. Esse é um desafio eterno que não encontrará jamais uma fórmula e que sempre estará a depender do que Pascal chama de esprit de finesse que é essa calibragem fina do sistema.

A única coisa que o poder público pode exigir dos pesquisadores é que satisfaçam a si próprios e aos seus pares de que refletiram muito a respeito do que gostariam de fazer em termos de pesquisa. Não podemos, como regra, exigir dos pesquisadores que trabalhem nisso ou naquilo, mas podemos exigir deles que se preocupem muito mais do que o fazem com a própria escolha de tema. Isso não significa que não deva haver uma fração de pesquisadores vinculada a programas específicos. Seguramente, é saudável existirem pessoas que estão simplesmente reagindo a demandas específicas para produzir tecnologia, para avançar certos tópicos previamente definidos.

0 que não podemos é caminhar para algum dos extremos, isto é, achar que a ciência pode ser tôda dirigida ou achar que a ciência não deve ser dirigida de todo.

Cláudio de Moura Castro foi doutorado na Universidade de Vanderbilt (em Economia). Ensinou na PUC/Rio, Fundação Getúlio Vargas, Universidade de Chicago, Universidade de Brasília, Universidade de Genebra e Universidade da Borgonha.

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