A quem interessa a Lei 13.123/2015?

Carta de Paulo A. Buckup, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre a Lei da Biodiversidade

Fonte: Jornal da Ciência


O problema da Lei da Biodiversidade não se resume ao custo burocrático imposto aos cientistas brasileiros. A questão principal é a própria lei em seu objetivo essencial! Qual é ele? Que benefício uma lei destas gera ao País? Que benefício ela pode gerar? Nenhum! Os biólogos comportam-se de forma míope ao achar que o problema desta lei se resume aos impedimentos causados pela burocracia ao seu umbigo científico. A lei é uma catástrofe geral! Os biólogos são os menos prejudicados por esta lei infame. O maior prejudicado será o próprio Brasil que perde completamente o controle de sua própria biodiversidade, ao impor empecilhos ao desenvolvimento de sua própria indústria biotecnológica e optar pela perda de competitividade na área de biotecnologia.

A Sra. Manuela, representante da Fiocruz no CGEN foi aplaudida ao afirmar que a lei vai proteger nossa biodiversidade contra os estrangeiros. Quanta ingenuidade! Como uma lei que impõem ônus aos brasileiros sem ter como atingir os estrangeiros vai beneficiar o Brasil? Se um brasileiro desenvolver um fármaco mediante acesso ao patrimônio genético brasileiro em parceria com estrangeiros sem a devida autorização estará sujeito a severas punições. No entanto, se um estrangeiro fizer o mesmo sem a participação de brasileiros, o mesmo estará livre para aproveitar livremente os resultados, pelo simples fato de que a lei é brasileira e, portanto, não se aplica a outros países.

Com a Lei 13.123, indígenas, quilombolas e curandeiros poderão espernear quanto quiserem, mas não terão qualquer acesso à prometida repartição de benefícios. Nem mesmo terão o apoio dos combalidos cientistas brasileiros, que, além de minguarem por falta recursos e estarem proibidos de pesquisar a biodiversidade nacional sem autorização prévia, nem mesmo terão condições de auxiliar no combate à biopirataria. Ibama, Sisbio e CGEN (a Fiesp provavelmente nem tomará conhecimento do caso!) precisarão recorrer aos coreanos e canadenses para poder identificar os compostos produzidos por multinacionais a partir de organismos brasileiros, pois os pesquisadores brasileiros estarão preocupados em decifrar se o caso é de “remessa”, de “envio” ou se é necessário firmar um contrato de anuência prévia.

Será que o camarada Wladimir Putin ou o senhor Xi Jinping dariam qualquer atenção a um país sulamericano que exigisse reparação econômica aos membros de alguma tribo indígena porque determinada empresa desenvolveu uma semente de pequi geneticamente modificada? Será que o presidente norte-americano desviaria um centavo de dólar para repartir benefícios com um quilombola por conta de um tratado internacional que nem foi assinado por seu país? A comunidade internacional até vai rir de um país que impõe dificuldades a seus próprios cientistas na esperança de que pesquisadores de outros países subsidiem suas comunidades tracionais.

Esta Lei é um verdadeiro crime lesa pátria!

Este equivoco não é de hoje. Começou em 1995, quando a senadora Marina Silva propôs seu projeto de Lei para a Biodiversidade. A legislação foi sendo editada e piorada sempre pelos motivos errados. No ano de 2000, o Presidente Fernando Henrique emitiu uma Medida Provisória para contrapor-se à legislação proposta pela senadora. A Medida Provisória deveria ser aprovada e regulamentada naquela mesmo ano, mas por falta de apoio no Congresso Nacional precisou ser editada 17 vezes(!), e somente foi parcialmente regulamentada em setembro de 2001. A incompetência burocrática do CGEN demorou cinco anos para perceber o dano causado à ciência brasileira e somente editou a Resolução 21 em agosto de 2006, após mais de meia década de prejuízos para a ciência nacional e intensa pressão da comunidade acadêmica, liderada pela representação da SBPC e do próprio IBAMA. Apesar dos esforços de Fernando Henrique para contrapor-se à proposta de Marina Silva, o Partido dos Trabalhadores assumiu o poder, a senadora Marina Silva tornou-se Ministra do Meio Ambiente, e sua colega Dilma Rousseff sancionou a Lei Nº 13.123 em 20 de Maio de 2015, revogando a legislação anterior e consequentemente a Resolução 21 do CGEN, lançando o País novamente numa situação de insegurança jurídica para qualquer tipo de acesso ao patrimônio genético. Ameaçada de impeachment, Dilma Rousseff assinou o Decreto 8.772 no dia 11 de maio de 2016, na véspera de ser afastada do cargo pelo Congresso Nacional. Este decreto deveria regulamentar a Lei Nº 13.123, mas na prática os cientistas e a indústria nacional permaneceram paralisados pelo simples fato de que o sistema de cadastro necessário para acessar o patrimônio genético permanecia indisponível e até hoje não está completamente funcional, sendo necessário aguardar a licitação da empresa terceirizada que produzirá o SISGEN 2.

Após 18 anos de legislação voltada para “a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios”, seria de se esperar pelo menos algum benefício palpável para o Brasil ou para os detentores do tal conhecimento tradicional (já que não há previsão ou esperança de repartição de benefícios para os produtores de conhecimento estratégico e tecnologicamente avançado). Cabe então perguntar:

Quantos milhões de reais o funcionamento do CGEN e das leis de acesso ao patrimônio genético já custaram ao Brasil?
Quanto custa para o País, a perda de produtividade, projetos parados, perda de parcerias e migração de negócios para outros países em decorrência de quase duas de décadas de inferno burocrático e incerteza jurídica?
Quantos milhões de reais já foram recebidos pelo Fundo Nacional para a Repartição de Benefício, excluindo o investimento do próprio Governo?
Qual é previsão de rendimento e custo disto tudo para o Brasil nos próximos 5 ou 10 anos?
Me parece que o simples detalhamento das respostas a estas questões levaria qualquer cidadão brasileiro a concluir que não se trata de uma mera questão de burocracia imposta a taxonomistas e biólogos interessados no estudo de questões evolutivas, mas de um crime contra toda a sociedade brasileira.

Alguns colegas alimentam a ilusão de que o tal Fundo Nacional para a Repartição de Benefício irá redimir a ciência nacional mediante contribuições para a organização de coleções. Doce ilusão… Talvez não percebam a diferença entre coleções científicas e repositórios de cepas de interesse industrial para indústria de cervejas, iogurtes e inoculadores de soja. Mas, de qualquer forma, nenhuma coleção receberá qualquer benefício, simplesmente porque o tal Fundo de Benefício é um figmento de imaginação da incompetência governamental. Em caso de dúvida basta tentar descobrir algo de concreto no endereço http://www.mma.gov.br/patrimonio-genetico/fundo-nacional-para-a-reparticao-de-beneficios

Para proteger a biodiversidade brasileira é necessário incentivar a pesquisa sobre patrimônio genético para que o Brasil possa efetivamente atuar com soberania no domínio tecnológico de suas próprias riquezas. Impor limitações à pesquisa nacional é submeter o País à subserviência a outras nações que não adotam este tipo de restrições. A noção de que é necessário controlar o acesso para estabelecer uma reserva de mercado para a biodiversidade é tão equivocada quanto a reserva do mercado de informática criada no Brasil no século passado. O resultado da reserva do mercado de informática é conhecido de todos. Em caso de dúvida, basta consultar o artigo da Wikipedia onde se lê que “a Política Nacional de Informática então em vigor acabou por engessar o desenvolvimento econômico do país e chegou a favorecer a pirataria de hardware e software, com o surgimento de diversas empresas nacionais que oficialmente fabricavam equipamentos ou desenvolviam sistemas copiados de projetos estrangeiros, principalmente de origem norte-americana”

Diante deste quadro desolador não é suficiente comemorar as pequenas facilidades burocráticas outorgadas pelos responsáveis pela criação das dificuldades que afligem a ciência brasileira, sob pena de nos tornarmos coniventes com a perda da soberania sobre nosso próprio patrimônio genético e com nossa própria bancarrota intelectual e acadêmica como cientistas comprometidos com o estudo da biodiversidade. É preciso ir muito além das resoluções comemoradas no JC (http://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/3-novas-conquistas-da-academia-no-contexto-da-lei-da-biodiversidade/). É preciso mobilizar o Congresso Nacional para revogar a Lei 13.123 em sua totalidade. Os brasileiros precisam ter livre acesso ao patrimônio genético de seu próprio País!

Paulo A. Buckup
Professor Associado
Museu Nacional
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Um comentário em “A quem interessa a Lei 13.123/2015?

  1. Belém, 14 de junho de 2018

    Prezado Prof. Paulo A. Buckup,

    Meus parabéns pelo artigo. Precisamos tomar medidas de como podemos reverter a Lei 13.123, organizando deputados estaduais, federais e senadores, STF, o mais breve possível. Esta legislação prejudica a pesquisa, os investimentos nessa área e cria uma falsa ilusão para os extrativistas, quilombolas, indígenas.

    Cordialmente,

    Alfredo Homma

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