Os Suruí e a google

Projeto do Google ajuda índios da tribo Suruí, de Rondônia

Por Rafael Barifouse
Em meados de junho, a nova-iorquina Rebecca Moore, 52 anos, esteve no Brasil pela primeira vez. Numa pequena sala em Cacoal, cidade de 77 mil habitantes em Rondônia, a 500 quilômetros da capital, Porto Velho, ensinou índios suruís a dar seus primeiros passos na internet por meio de buscas no Google. Alguns digitavam “povos indígenas” e “Amazônia”, mas a maioria estava mais interessada em “Ronaldinho” e “futebol”. Rebecca conta que, num determinado momento daquela aula informal, pediu a um dos índios para entrar num site e avançar pelos links. Depois da demonstração, orientou como voltar à página inicial de busca. O aprendiz então começou a navegar sozinho, com cliques frenéticos. “Diante dos meus olhos, ele começava a entender os hiperlinks”, diz ela. “Foi fascinante.”

Rebecca é cientista da computação e gerente do Google. Veio ao Brasil para lançar o Google Earth Solidário, uma parceria da empresa com ONGs para dar visibilidade a questões socioambientais por meio de imagens de satélite. O Solidário surgiu como um projeto paralelo de Rebecca, ao qual ela dedicava 20% de sua jornada semanal, seguindo a política do Google que incentiva funcionários a desenvolver por conta própria idéias inovadoras. Em setembro de 2006, quando o Google Earth ajudou a resgatar 4 mil pessoas nas inundações causadas pelo furacão Katrina, em New Orleans, nos Estados Unidos, o projeto cresceu.

O embrião do Solidário, porém, nasceu fora da empresa, quando Rebecca era apenas uma usuária do programa. Em 2005, ela trabalhava em uma empresa de bioinformática e vivia em Santa Cruz, na Califórnia, numa casa suprida de energia solar, que ajuda a abastecer parte da vizinhança. Quando recebeu um comunicado informando que Santa Cruz era alvo de um plano de exploração de madeira aprovado pelo governo federal, a cientista usou o Google Earth para entender a questão. Pelas imagens, viu que a extração afetaria rios, seria feita a poucos metros de escolas, teria a produção escoada por caminhões em estradas frágeis e por helicópteros que transitariam durante todo o dia. Decidida a impedir isso, reuniu dados no programa e mostrou a um político e ao jornal local. O plano acabou revisto e vetado.

Algum tempo depois, Rebecca sugeriu ao Google melhorias para o Google Earth. Foi contratada. Após dezoito meses, em junho de 2007, o Solidário foi lançado. Em meio a isso, Rebecca recebeu um aviso curioso: um chefe indígena brasileiro queria fazer uma parceria.

Chefe Almir, de 32 anos, é um índio incomum. Biólogo – o primeiro da tribo a ir à faculdade -, tem celular e três contas de e-mail. Como coordenador da associação que representa os quatro clãs suruís, ele queria se integrar ao resto do Brasil e criar novas formas de sustento, sem deixar a cultura de lado. Sua preocupação era impedir que seu povo quase desaparecesse, como acontecera após o primeiro contato com o homem branco, em 1969. Vinte anos depois, a população havia caído de 5 mil para 250, por causa de epidemias de gripe e sarampo. De lá para cá, esse número aumentou. Hoje, são 1,25 mil índios.

Almir conta que usou o Google Earth pela primeira vez num cybercafé, há dois anos, para ver sua casa, um território de 2,48 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica. Levou um susto: todo o entorno estava desmatado, o que deu mais urgência à sua idéia. O plano, criado em 1998, tem metas de 50 anos que incluem levar mais índios para a universidade – dez, até agora -, reflorestar 70 quilômetros quadrados, cultivar café e vender produtos artesanais. O chefe viu no programa do Google uma oportunidade de dar força ao projeto. “O futuro está na tecnologia, e precisamos dela se realmente queremos um diálogo com o mundo”, diz ele.

A equipe do Google foi recebida na tribo, a 50 quilômetros de Cacoal, com faixa de boas-vindas, oca especial, três dias de cerimônias e excursões pela floresta, mapeada pelos índios com GPS. Durante os três dias seguintes, funcionários do Google treinaram 20 deles. “Quando souberam do projeto, perguntavam se índios seriam capazes de aprender sobre internet”, diz Rebecca, ainda com vestígios de pinturas cerimoniais nos braços. “Conseguiram. Difícil foi tirá-los dos computadores.” Agora, jovens da tribo gravam depoimentos de anciãos e demonstrações de suas tradições, e escrevem textos sobre sua história. Tudo será reunido em arquivos com dados sobre um tema que poderão ser baixados pela internet e vistos pelo Google Earth.

O Google Earth Solidário está disponível em oito idiomas. Para participar, ONGs se inscrevem e, se aprovadas, recebem de graça a versão profissional do programa e treinamento. Depois, compartilham os arquivos e relatam suas experiências no site. Com pouco mais de um ano de existência, o serviço já ajudou ONGs a obterem resultados expressivos (veja quadro). “O que começou como diversão virou uma maneira digital de contar histórias, conscientizar pessoas e até mudar políticas públicas”, afirma Rebecca.

O Solidário é o segundo braço social da empresa. O principal é o Google.org, criado em 2005 como parte da promessa feita na abertura de capital, um ano antes, por seus fundadores, Sergey Brin e Larry Page, de dedicar 1% das ações da empresa (US$ 900 milhões em valores da época), “a problemas mundiais urgentes”. Em janeiro, foi anunciado um investimento de US$ 25 milhões em tecnologias para energias renováveis e carros elétricos, sistemas de detecção de epidemias e melhorias de serviços públicos e de pequenas empresas de países em desenvolvimento. Para Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, o Solidário destaca-se por estar alinhado à missão do Google de organizar informações e torná-las acessíveis. “O projeto ajuda pessoas e empresas a identificar ONGs e dar a elas uma exposição inédita”, afirma Young. “O valor disso é inestimável.”

Fonte: www.epocanegocios.globo.com
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