Sobre os índios Guarani-Kaiowa

ADVOGADOS SEM FRONTEIRAS, integrante da Rede ASF – presente em 16 países, organização que trabalha pelo acesso à justiça e a proteção dos direitos humanos no mundo, em defesa dos grupos mais vulneráveis, diante dos inúmeros acontecimentos dos quais é vítima o povo Guarani-Kaiowá, no Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil, vem, por meio desta NOTA PÚBLICA, expressar seu posicionamento:

Apesar de contabilizarem mais de 43 mil indivíduos, as terras ocupadas pelos Guarani-Kaiowá correspondem a somente 0,1% do território sul-mato-grossense, menos de 5% do território historicamente por eles ocupado. Os membros do grupo vivem confinados em uma área de aproximadamente 40 mil hectares. Essa situação é agravada pela demora processual e administrativa no que concerne aos procedimentos de demarcação de suas terras. Esse território é ainda altamente fragmentado em pequenas ilhas territoriais sem contato entre si. Várias dessas terras correspondem a uma área de apenas algumas dezenas de hectares, o que impossibilita as mínimas condições de subsistência.

A violenta supressão cultural continuamente sofrida por esses povos e a falta de garantia de seus direitos básicos, somada à violência física e psicológica presentes em ações e omissões, levam os Guarani-Kaiowá a quadros de desnutrição, falta de segurança e a moradias precárias.

São também alarmantes os altos índices de crimes violentos cometidos contra os Guarani-Kaiowá. Anualmente, dezenas de Guarani-Kaiowá são assassinadas em decorrência de conflitos agrários e fundiários, bem como por milícias armadas.

Relatórios da Aty Guasu (Grande Assembléia dos Povos Kaiowá e Guarani) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – assim como diversas evidências e relatos de testemunhas recebidos pela Advogados Sem Fronteiras no Brasil – indicam a ocorrência sistemática de ataques às comunidades, destruição de moradias, agressões físicas e morais, assassinatos, desaparecimentos forçados e abuso sexual de mulheres, via de regra realizados por grupos privados armados.

Conforme dados do CIMI, mais da metade dos índios assassinados em todo o país são membros dos Guarani-Kaiowá que habitam no Mato Grosso do Sul. A taxa de assassinatos dos Guarani-Kaiowá é quatro vezes maior que a média nacional: 100 assassinatos por 100 mil habitantes.

Além disso, cerca de 90% dos homicídios não são solucionados. A Aty Guasu também relata que esses assassinatos frequentemente têm como alvo as lideranças indígenas. Diante de tal gravidade, torna-se imperiosa a cobrança de providências e a assunção de responsabilidade do Governo do Estado do Mato Grosso do Sul e demais autoridades, pelas providências que lhes cabem.

Pelos motivos citados, a Advogados Sem Fronteiras considera que há fortes indícios no sentido de as ações sistemáticas perpetradas contra os Guarani-Kaiowá caracterizarem o CRIME DE GENOCÍDIO, tipificado no art. 2º e alíneas da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio das Nações Unidas e na Lei brasileira nº 2.889/56, qual seja: a “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, bem como no art. 6° do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, parte integrante do Decreto n° 4.388, de 25 de setembro de 2002.

Os Guarani-Kaiowá têm direito às suas terras ancestrais, denominadas por eles detekoha – “terra sagrada”. É preciso reconhecer as aspirações desses povos a assumirem o controle de suas próprias instituições e formas de vida, seu desenvolvimento econômico e social; bem como reconhecer o direito de fortalecer seus traços culturais, linguísticos e religiosos. É preciso que a sociedade e as autoridades nacionais e internacionais protejam e promovam as condições para que a comunidade indígena usufrua dos direitos humanos fundamentais mais básicos como alimentação, saúde, educação e moradia, bem como o direito à sua identidade e sua produção cultural.

A Advogados Sem Fronteiras vem, por meio deste MANIFESTO, inserir-se na luta pela preservação dos direitos do povo Guarani-Kaiowá, na sua condição de proprietários históricos dos territórios sob litígio jurídico. Requeremos do Poder Público a ampla discussão desse grave problema, determinando a imediata suspensão das ações de reintegração de posse que estão em curso, assim como das demais ações judiciais que possam infligir maior sofrimento aos Guarani-Kaiowá. Requeremos, também, por parte das autoridades brasileiras, o prosseguimento, sem interrupções, das demarcações das terras indígenas, garantindo que a integridade física, moral e os direitos fundamentais dos povos indígenas sejam respeitados em sua integralidade.


Apesar de a Justiça ter suspendido a ordem de expulsão dos índios Guarani-Kaiowá de suas terras na região de Dourados (MS), o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) afirmou nesta quinta-feira (1º), em discurso no Plenário, que a situação dramática daquele povo ainda está longe de ser resolvida.

Citando matéria do jornal O Estado de S.Paulo, Randolfe informou que 170 índios Guaranis-Kaiowás vivem em uma área de apenas dois hectares, da qual se recusam a sair afirmando que são terras ancestrais de seu povo.

O parlamentar comentou ainda artigo da ex-senadora Marina Silva sobre o caso, publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, em que ela defende os direitos dos índios. No texto, Marina Silva cita trechos de um manifesto dos Kaiowás que mostra a situação trágica em que vivem, inclusive com caso de suicídios e assassinatos.


Ameaçado de morte por sua atuação como um dos líderes do povo Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul, Elizeu Lopes disse que a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em São Paulo, de suspender a liminar judicial que poderia resultar na retirada de um grupo de 170 índios de uma fazenda localizada em Iguatemi (MS) não resolve o conflito que afeta várias outras comunidades indígenas sul-mato-grossenses.

“A decisão de ontem foi positiva, mas, para nós, ainda não é um bom resultado. Para nós, a justiça, os governos, estão deixando nossas comunidades abandonadas”, disse Lopes, durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, na sede do Conselho Federal de Psicologia.

Segundo Lopes, após décadas esperando que o Estado demarcasse novos territórios indígenas e desse um basta ao grave conflito fundiário entre índios e produtores rurais que se estabeleceram na região ao longo do século passado, os guaranis kaiowás de Mato Grosso do Sul decidiram ocupar e lutar pelas terras que afirmam terem pertencido aos seus antepassados.

“Estamos sofrendo há mais de 30 anos, lutando por nossos territórios, pela nossa terra, acampados a margem de estradas, sem condições de sustentar nossas famílias e ter uma vida tranquila, sem atendimento médico e com nossos filhos tomando água suja e muitas vezes impedidos de estudar. Somos as maiores vítimas da violência e não aguentamos mais. Por isso, decidimos ocupar nossos territórios”, disse Lopes, garantindo que, com a decisão indígena de intensificar a ocupação de terras onde hoje estão instalados grandes produtores de soja, cana-de-açúcar e gado, boa parte deles legitimados pelo Estado, aumentaram os conflitos.

“Fazendeiros continuam nos atacando com seus pistoleiros e não têm mais vergonha de dizer na frente das câmeras que vão derramar ainda mais sangue dos guaranis kaiowás. Mesmo assim, vamos continuar lutando, ocupando nossas terras. Não tem como voltarmos atrás nesta decisão porque já aguardamos muitos anos e não queremos mais promessas nem discursos. Queremos a demarcação de nossos territórios”, concluiu Lopes, descartando a hipótese dos 170 membros da Comunidade Pyelito Kue, em Iguatemi, a cerca de 460 quilômetros da capital sul-mato-grossense, Campo Grande, se suicidarem, caso fossem obrigados a deixar os dois hectares da fazenda que pleiteiam como sendo um território tradicional indígena.

Fonte: www.advogadossemfronteiras.org e http://www.jornaldaciencia.org.br
Print Friendly, PDF & Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.