O valor do idioma – Parte II

Crescimento e valorização do português no mundo acompanham atual destaque econômico e cultural do Brasil

Carmen Guerreiro e Luiz Costa Pereira Junior

Novos projetos de tradução de brasileiros no exterior podem impulsionar paixões como as que marcaram os norte-americanos Benjamin Moser e Woody Allen

Internet

Essa mediação tem tido crescimento sustentável no cenário mundial.

– A língua portuguesa é suave ao ouvido e sedutora nas suas entoações, sendo por isso bem-amada na música, no teatro e nas novelas. É uma língua com plena capacidade para se tornar cada vez mais uma das grandes do mundo – diz Caetano, do Universidade Aberta.

Uma das virtudes da internet para a língua portuguesa foi o feito de unir, pela rede, os milhões de falantes dos países lusófonos espalhados pelo globo. Com essa união, o idioma ganhou força – e valor no mundo virtual. De 7a língua mais falada na web em 2007, o português é hoje a 5a, ficando atrás apenas do inglês, chinês, espanhol e japonês, que, com exceção do Japão, possuem muito mais falantes do que os países da CPLP.

O dado é da pesquisa Internet World Users by Language , de 2011. Ela aponta que, apesar de o português possuir a fatia de apenas 3,9% dos falantes na internet, esse número aumentou 990% desde 2000 e, hoje, cerca de 82,6 milhões de pessoas usam a língua portuguesa na rede, o que equivale a um terço dos falantes do idioma no mundo.

O Instituto Camões aponta também que o português se tornou a 9ª língua em produção de conteúdos na internet em 2011. Mário Silva observa que, tendo em vista que o crescimento da língua portuguesa na internet na última década “foi monstruoso”, não podemos considerar essas estatísticas pequenas.

– A importância dessa presença crescente resulta da maior exposição do idioma na rede e no efeito multiplicador que advirá do aumento de utilizadores e produtores de conteúdos em língua portuguesa em resultado do desenvolvimento econômico, da maior qualidade dos acessos à rede e de uma maior capacidade da população mundial de língua portuguesa de tornar-se internauta cada vez mais ativa – analisa o vice-presidente do instituto.

Redes sociais

Outro fato que deu destaque para o português na web é o uso maciço das redes sociais no Brasil, país onde sites de relacionamento fazem grande sucesso (86% dos internautas brasileiros acessam esses sites, segundo pesquisa de 2010 da Nielsen). O Brasil alavancou o português como a 3a língua mais falada nessa rede mundial de microblogs, com 9%, atrás do inglês e do japonês.

Impossível esquecer o caso do Orkut, em que a adesão maciça de brasileiros gerou reação negativa dos usuários norte-americanos, que se incomodaram com a presença constante do português no site e debandaram para outras redes, como o Facebook – hoje com quase a mesma força do Orkut no Brasil, registrava 12,11 milhões de brasileiros ante 31,27 milhões no Orkut até fevereiro.

– Outro ponto a avaliar está nos interesses econômico-financeiros das empresas de todas as partes do mundo no português e que se fazem presentes, de algum modo, na internet – pontua Regina Pires de Brito, professora da pós-graduação em letras do Núcleo de Estudos Lusófonos da Universidade Mackenzie.

Regina, que coordena programas de extensão no Mackenzie, cita o exemplo do site da companhia chinesa Lenovo, que tem a opção em português associada ao Brasil e a nenhum outro país lusófono.

– É de se esperar que a 5a língua em número de usuários revele uma necessidade de atenção por essas instituições. Já se vê um número considerável de sites estrangeiros com opção para acesso em português, com claro apelo para o (atraente) mercado brasileiro – afirma.

A circulação da palavra impressa no idioma também se valorizou no Brasil. Enquanto o mundo vive enxugamento das versões impressas de jornais e revistas, aqui a tiragem aumentou. Em 2010, segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC), houve aumento de 2% de exemplares diários vendidos em relação a 2009. E aumento de 5,1% da venda de exemplares de revistas no primeiro semestre de 2011.

No mercado editorial, os números também subiram. O Censo do Livro do IBGE revelou que o tamanho do mercado no Brasil, contando publicações do governo, cresceu de R$ 3,3 bilhões (2009), para R$ 4,2 bi (2010). No mesmo período, o crescimento do setor editorial brasileiro foi de 8,12%, e o número de exemplares vendidos cresceu 8,3% (só as vendas ao mercado) e 13,12% (considerando também vendas a governo e entidades sociais). Temos um respeitável mercado editorial cujo tema é o idioma (média de 25 milhões de exemplares de dicionários, gramáticas, etc., vendidos todo ano) e uma carência por informação básica que impulsionou a procura por consultórios gramaticais na mídia.

Tradução

Os investimentos em exportação da palavra brasileira seguem a tendência de alta. Só em 2010 foram concedidas pela Fundação Biblioteca Nacional 68 bolsas de tradução de livros brasileiros para o exterior, sendo que a média anual costuma ser de 20. Os autores brasileiros são traduzidos hoje para mais de 17 países. Foi assim que, por exemplo, norte-americanos como Woody Allen e Benjamin Moser tomaram contato com autores brasileiros que lhes foram decisivos na carreira, como Machado de Assis e Clarice Lispector, respectivamente. Em julho, a Fundação Biblioteca Nacional, vinculada ao Ministério da Cultura, anunciou o investimento de R$ 2,7 milhões até 2013 em bolsas de tradução, pelo Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior. Além disso, o Brasil será, no fim de 2013, tema da Feira de Frankfurt, o maior evento internacional de livros do mundo, e por isso editoras europeias buscam aumentar seus negócios com a contratação de obras brasileiras.

O ensino de português para estrangeiros acompanhou o maior interesse pelo Brasil e, na última década, fez com que escolas de idiomas abrissem novas classes.

– Temos acompanhado uma crescente valorização de nosso país, da economia, e tudo isso se reflete, também, no prestígio da língua. No entanto, muitas vezes os próprios falantes nativos não percebem, ou não valorizam essa riqueza. A língua portuguesa precisa, cada vez mais, de falantes e professores especializados para o ensino – diz Susanna Florissi, diretora internacional da HUB Editorial, do grupo SBS, responsável pelo best-seller Bem-Vindo! , de português para estrangeiros, e pela comunidade “Fale Português” na internet ( faleportugues.ning.com ), que tem mais de 2 mil seguidores fora do país.

Estrangeiros

Embora o Inep-MEC não informe o aumento das inscrições para a prova Cel Lep-Bras, que certifica a proficiência de estrangeiros em português no Brasil, escolas de renome como o Cel Lep e Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) garantem que a procura cresceu significativamente no Brasil. Com a agenda de eventos esportivos dos próximos anos (Copa das Confederações de 2013, Copa de 2014, Olimpíada e Paraolimpíada de 2016), a previsão é de aumento da demanda.

O Cel Lep tem uma média de oito a dez solicitações por semana para o curso de português para estrangeiros, número três vezes maior do que seis meses atrás.

– Eles vêm para o Brasil cada vez mais por causa das condições econômicas do país e precisam do português para conseguir vagas, competir por empregos e, às vezes, para tentar a sorte – diz Graça Paiva, uma das coordenadoras do curso de português para estrangeiros do Cel Lep.

Português gringo

O mesmo aconteceu na Faap, que no começo do seu curso de português para estrangeiros, em 2006, possuía dez alunos e hoje possui 110 de mais de 20 nacionalidades.

– O Brasil está sendo mais procurado, as pessoas querem conhecer mais sobre esse país e o aprendizado da língua é importante, porque é a partir da língua que se aprende a cultura. Também tem muita gente que pretende fazer negócios com o Brasil, e por isso vêm fazer português – diz Lourdes Zilberberg, coordenadora do Departamento de Intercâmbio e Internacionalização da Faap.

Lourdes conta que, com a vinda de muitas empresas multinacionais para o país, não só os executivos estrangeiros transferidos precisam aprender o idioma, mas seus filhos.

Em paralelo à demanda no mundo do trabalho, mais do que antes temos um circuito de estudos sobre a língua com uma consistência, pluralidade e um amadurecimento que permitem maior certeza nas afirmações sobre os fenômenos do idioma e um debate cada vez mais acalorado entre tendências acadêmicas. As instituições de ensino superior passaram de 1.859 (2003) para 2.314 (2009), segundo o Inep/MEC. É mais gente escrevendo trabalhos acadêmicos, apresentando seminários, produzindo teses e dissertações, uma cadeia produtiva crescente.

O número de teses brasileiras equivale a 1,6% da produção mundial (2004-2008), um aumento de 0,3% em relação ao período entre 1999 e 2003. O estudo da Royal Society, a academia de ciência britânica, mostra que só a cidade de São Paulo foi do 38º para o 17º lugar entre cidades com mais publicações científicas no mundo. Para o Instituto Camões, o Brasil ocupa o 2o lugar entre os países ibero-americanos com maior produção científica.

– Aumenta o número de universidades em quase todos os países de língua portuguesa, crescem os programas de pós-graduação, financiamentos e publicações. As bibliotecas virtuais das universidades do Brasil têm colocado as dissertações e teses gratuita e massivamente à disposição dos interessados, produzindo-se assim um círculo virtuoso entre produção e acesso que nunca tivemos e nem podíamos imaginar há quinze anos – observa Gilvan Müller de Oliveira, diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) da CPLP.

A percepção hoje é a de que a língua vai bem, obrigado, não está ameaçada, não precisa de proteção, mas de promoção. Se a economia e a cultura do Brasil continuarem a ampliar a importância do uso do idioma, a língua portuguesa só tende a aumentar seu valor de troca na balança comercial dos idiomas.

Fonte: revistalingua.uol.com.br