O valor do idioma – Parte I

Crescimento e valorização do português no mundo acompanham atual destaque econômico e cultural do Brasil

Carmen Guerreiro e Luiz Costa Pereira Junior

Quanto vale um idioma? Se a língua portuguesa estivesse numa prateleira de supermercado, estaria em um empório de luxo ou esquecida em um canto, em promoção num mercadinho? Estamos acostumados a medir o valor econômico dos objetos a que um idioma dá nome, e não do idioma em si. Mas recente estudo solicitado pelo Instituto Camões ao Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Portugal, encarou o desafio de medir essa grandeza, e revela que 17% do PIB do país equivale a atividades ligadas direta ou indiretamente à língua portuguesa.-É um percentual interessante e até conveniente, por ter ficado ligeiramente acima do que se apurou na Espanha relativamente ao espanhol (15%) – analisa Carlos Reis, da Universidade de Coimbra, professor visitante da PUC-RS e um dos fundadores da Universidade Aberta em Portugal, da qual foi reitor até julho.

Indústrias da língua

O índice leva em conta a importância relativa da comunicação e da compreensão em campos de atividades econômicas. Privilegia, assim, relações econômicas que exigem uma dada língua. E descarta atividades que podem ser executadas por trabalhador de outra nacionalidade ou competência linguística. Por essa lógica, ramos como ensino, cultura e telecomunicações seriam celeiros automáticos de atividades em que a língua é insumo-chave. Além dessas atividades que o ISCTE denomina de “indústrias da língua”, há as ligadas a fornecedores de produtos em português, como a administração pública, e as que têm forte conteúdo de língua, como o setor de serviços, ou a que induz maior conteúdo de língua para a economia como um todo, da indústria de papel à de eletrodomésticos. Por último, o peso de processos em que o conteúdo de uma língua tem predomínio menor ou só relativo, ainda assim enquanto fazem brotar impérios no próprio circuito de trocas de um idioma. No Brasil, é o que ocorreria, por exemplo, à extração de petróleo e de minérios, ou ao agronegócio. Apesar de o estudo não visar o Brasil, a pesquisa indica que o fenômeno se repete em coeficientes aplicáveis aos países lusófonos.

Línguas com muitos usuários fornecem mercado maior para bens culturais. O crescimento sustentado da última década fez do gigante da língua portuguesa saltar aos olhos globais. O Brasil virou protagonista das relações comerciais mantidas entre países lusófonos, mercado que movimenta um Produto Interno Bruto que passou de US$ 1,9 trilhão em 2009 para US$ 2,3 trilhões em 2010, diz o Banco Mundial. Já o PIB dos imigrantes de língua portuguesa em outros países gira em US$ 107 bilhões (2009).

Lusofonia

Enquanto o Instituto Camões, organização portuguesa que tem o objetivo de divulgar o idioma no mundo, prepara um novo estudo sobre o valor econômico do idioma, a dinâmica dos negócios fala por si. Mário Filipe da Silva, vice-presidente do instituto, afirma que em maio, no encontro realizado pela entidade sobre o valor econômico das línguas portuguesa e espanhola, as empresas presentes foram claras em afirmar que “suas estratégias de internacionalização passam pela vantagem competitiva de negociar em português”. Outro fator que facilita negociações em português é a localização geográfica privilegiada de países lusófonos e os acordos econômicos feitos entre essas nações.

Estudo da Apex (Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos) de 2009 mostra que os negócios realizados em língua portuguesa cresceram 534% nos cinco anos anteriores. O fluxo de comércio entre o Brasil e os sete países lusófonos pulou de US$ 1 bilhão em 1996 (quando a Comunidade de Países de Língua Portuguesa foi formada) para US$ 6,5 bilhões em 2008. Muito desse avanço se deve à estabilização política dos países, em particular os africanos. A crise mundial não afetou de forma substancial o cenário: hoje há mais ênfase diplomática e comercial entre as nações que falam português entre si.

– Uma língua não pode ser mais forte que os países que a sustêm. Na medida em que os países crescerem em importância no palco mundial, também o português crescerá – reforça João Caetano, professor da Universidade Aberta e doutor em Ciência Política.

Quanto maior o número de falantes, nativos ou não, maior a recompensa por dominar a língua, assim como o poder de compra dos usuários. Segundo Mário Silva, do Camões, investigadores reconhecem que, no futuro, o peso de uma língua deverá ser avaliado principalmente pela força da economia, do progresso científico, da qualidade institucional e não apenas pelo número de falantes.

Economia diplomática

Por enquanto, o Brasil se firma como o maior embaixador do idioma. Dos mais de 249 milhões de falantes do português que moram em países lusófonos, 77% são do Brasil, segundo o Banco Mundial. Significa dizer que a cada dez falantes do idioma no planeta, ao menos sete são brasileiros. Os dados colocam nossa língua em 5a posição de mais falada no mundo, mas o que tem feito crescer o português aos olhos dos estrangeiros é o destaque político, econômico e cultural que a comunidade de países de língua portuguesa, em especial o Brasil, vem recebendo nos últimos anos.

– Há muitos falantes de português no mundo que ocupam posições de direção em empresas mundiais e que vão ser usados como agentes de uma nova diplomacia a que eu chamo “economia diplomática” – acrescenta Caetano.

A força brasileira não é subestimada pelos analistas internacionais. No mês passado, a revista britânica The Economist analisou o PIB per capita dos estados brasileiros (em dólar) como se cada um fosse um país autônomo. A publicação, que já chegou a ilustrar a ascensão do Brasil com um Cristo Redentor transformado em foguete em sua capa, percebeu que o Rio de Janeiro tem o valor de uma Rússia, por exemplo. O Distrito Federal, com seu PIB per capita de US$ 25 mil, equivale a Portugal, enquanto São Paulo equivaleria à Polônia com o PIB per capita de US$ 13.331. Mesmo o lanterninha Piauí soma a riqueza da Geórgia.

Traduzir essa força em valor de uso idiomático é, no entanto, um desafio. Silva, do Camões, ressalta que a língua portuguesa vem crescendo na medida em que aumenta a sua capacidade de servir de meio de comunicação internacional.

– Nesse sentido, a língua constitui um ativo econômico e deve ser considerada como um veículo de penetração econômica e comercial, podendo ser igualmente um instrumento usado para vender um grande número de serviços e produtos e ser o núcleo para a criação de uma imagem de marca do país – comenta.

Propagação

Com o aumento das exportações brasileiras e das parcerias comerciais estabelecidas com o país, cresce o interesse pela língua falada no Brasil. Todos os falantes do português ganham com isso, defende Mônica Villela, doutoranda de Ciências Políticas que estuda as novas relações de poder entre os países de língua portuguesa com base no processo de internacionalização do idioma.

– Empresários da União Europeia que queiram aprender português para fazer negócios com o Brasil tenderão a fazer um curso de imersão na língua portuguesa em Portugal por estar mais perto geograficamente – avalia Mônica.

O fato é que a retomada do fôlego econômico do país estimulou o relacionamento de empresas em seu próprio idioma. Há hoje a constatação de mais negócios mediados por tecnologias que enfatizam a comunicação em português – mensagens eletrônicas e apresentações com projeções em tela, que não podem exibir tropeços. E em reuniões de trabalho, o desempenho retórico virou chave empresarial. Quem muito escreve ou fala tem risco maior de expor sua eventual falha de formação. Daí não ser surpreendente o fenômeno dos cursos de português para brasileiros, para executivos, secretárias e gerentes, em tradicionais escolas de idiomas. No universo das corporações, não vale mais a atenção exclusiva dada ao domínio do inglês.

Fonte: revistalingua.uol.com.br