A milenar Amazônia capixaba

CARLOS FIORAVANTI | Edição 194 – Abril de 2012 – Revista Pesquisa FAPESP
Lagoa do macuco, na reserva de Sooretama

Lagoa do macuco, na reserva de Sooretama

Mata atlântica do Espírito Santo guarda resquícios da floresta amazônica de 7,8 mil anos atrás

Com um tronco avermelhado de quase 2 metros de diâmetro e 25 metros de altura, com uma casca que lembra escamas de peixe, a jueirana-vermelha ou Parkia pendula é uma das espécies de árvores típicas da floresta amazônica que começaram a ser encontradas em uma reserva de mata atlântica em Linhares, norte do Espírito Santo, a 2.400 quilômetros das bordas da atual floresta amazônica, há 30 anos.

No entanto, até hoje ninguém sabe muito bem por que elas estão aqui. Agora, para deixar ainda mais emocionante a dúvida, especialistas de São Paulo, com base em análises de solo e de pólen retirados dos sedimentos do fundo de uma lagoa, estão literalmente desenterrando as paisagens do passado e mostrando que as espécies amazônicas já viviam nesta região há pelo menos 7,8 mil anos.

Parkia pendula

Parkia pendula


Esse levantamento está indicando que espécies se mantiveram ou desapareceram como resultado das variações de clima e de solo ao longo de milhares de anos. Além disso, sugere possíveis interações entre ambientes hoje distantes e isolados, como a floresta litorânea e a Amazônia, e, de modo mais amplo, indica a tendência das transformações, a resistência ou a fragilidade das diversas formas de vegetação nativa do país, em resposta às variações de clima. “As matas fechadas, se não houver interferência humana nem mudanças climáticas intensas, tendem a avançar sobre as áreas abertas, ocupadas pelos campos”, diz Luiz Carlos Pessenda, pesquisador do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, que coordena os levantamentos que estão refazendo a floresta submersa do norte do Espírito Santo.

Nos últimos 20 anos, Pessenda, físico de formação, fez cerca de 200 furos pelas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste em busca de pólen em sedimentos terrestres e lacustres e em amostras de solo, antes de concluir que as áreas abertas tendem a escassear, seguindo a tendência dos últimos 4 mil anos.

Talvez não aqui em Linhares, ele suspeitou, ao percorrer essas matas pela primeira vez, há quatro anos, e ver os campos nativos – cerca de 20 áreas circulares com uma vegetação rasteira e raras árvores, que crescem em solo bastante arenoso e resistem em meio à mata fechada.

“Há 8 mil anos havia ilhas de floresta amazônica aqui, onde o clima não mudou muito, ou então a floresta amazônica chegava até aqui.”

Com base nos dados obtidos até agora, Pessenda, com sua equipe do Cena, concluiu que o clima no norte do Espírito Santo deve ter se mantido relativamente estável nos últimos 15 mil anos. Desse modo, a área, a composição e a estrutura das matas devem ter se mantido com poucas alterações, enquanto em outras regiões do país as florestas encolhiam ou desapareciam, em resposta a variações climáticas intensas. Esse contraste sugere que as matas capixabas podem ter sido refúgios biológicos, preservando espécies de plantas e de animais que podem ter se extinguido em outros lugares ou mesmo servindo como espaço para a formação de novas espécies, à medida que se separavam de outras.

O arquipélago de Fernando de Noronha, onde ele também fez levantamentos de campo, pode ter sido outro lugar sem grandes mudanças na vegetação, mas com claros registros do avanço da linha de costa.

“Onde é manguezal, a 200 metros da praia”, diz ele, “já foi praia, há aproximadamente 5 mil anos.”

A possibilidade de ter sido um refúgio com florestas há milhares de anos, se confirmada por outros estudos, poderá ampliar o valor biológico dessas matas que há meio século seguiam contínuas até o sul da Bahia e ganharam o nome de hileia baiana, em razão da semelhança com a Amazônia. As florestas encolheram bastante, em razão da expansão das cidades e do desenvolvimento econômico – Linhares já foi um pujante centro de produção de móveis, com madeiras retiradas das matas nativas. Mas restou uma respeitável área de 45 mil hectares – metade preservada como área pública federal, a reserva biológica de Sooretama, e outra metade pela mineradora Vale – cercada de fazendas de café e mamão.

Fonte: revistapesquisa.fapesp.br/2012/04/10/a-milenar-amazônia-capixaba/