Um século de Rubem Braga

20130113 Considerado o inventor da crônica moderna brasileira, o capixaba Rubem Braga vem atravessando gerações com seus textos sobre cenas cotidianas, sempre com a roupa da língua comum. Dos grandes autores brasileiros de prosa, foi o único que nunca escreveu um romance — e mesmo assim é considerado um dos maiores escritores do país. Um dos jornalistas que mais colaboraram em diferentes jornais e revistas do país, tendo produzido cerca de 15 mil crônicas, o velho Braga, como costumava se referir a si próprio desde jovem, foi correspondente na Segunda Guerra Mundial, embaixador no Marrocos, dono de editora, amante das mulheres e da natureza. “Há mil Rubens dentro de Rubem Braga”, disse Clarice Lispector.

Fonte:http://oglobo.globo.com

Rubem Braga, considerado por muitos o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, ES, a 12 de janeiro de 1913. Iniciou seus estudos naquela cidade, porém, quando fazia o ginásio, revoltou-se com um professor de matemática que o chamou de burro e pediu ao pai para sair da escola. Sua família o enviou para Niterói, onde moravam alguns parentes, para estudar no Colégio Salesiano. Iniciou a faculdade de Direito no Rio de Janeiro, mas se formou em Belo Horizonte, MG, em 1932, depois de ter participado, como repórter dos Diários Associados, da cobertura da Revolução Constitucionalista, em Minas Gerais — no front da Mantiqueira conheceu Juscelino Kubitschek de Oliveira e Adhemar de Barros.

Na capital mineira se casou, em 1936, com Zora Seljan Braga, de quem posteriormente se desquitou, mãe de seu único filho Roberto Braga.

Foi correspondente de guerra do Diário Carioca na Itália, onde escreveu o livro “Com a FEB na Itália”, em 1945, sendo que lá fez amizade com Joel Silveira. De volta ao Brasil morou em Recife, Porto Alegre e São Paulo, antes de se estabelecer definitivamente no Rio de Janeiro, primeiro numa pensão do Catete, onde foi companheiro de Graciliano Ramos; depois, numa casa no Posto Seis, em Copacabana, e por fim num apartamento na Rua Barão da Torre, em Ipanema.

Sua vida no Brasil, no Estado Novo, não foi mais fácil do que a dos tempos de guerra. Foi preso algumas vezes, e em diversas ocasiões andou se escondendo da repressão.

Seu primeiro livro, “O Conde e o Passarinho”, foi publicado em 1936, quando o autor tinha 22 anos, pela Editora José Olympio. Na crônica-título, escreveu: “A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não pretender ser conde.” De fato, quase tanto como pelos seus livros, o cronista ficou famoso pelo seu temperamento introspectivo e por gostar da solidão. Como escritor, Rubem Braga teve a característica singular de ser o único autor nacional de primeira linha a se tornar célebre exclusivamente através da crônica, um gênero que não é recomendável a quem almeja a posteridade. Certa vez, solicitado pelo amigo Fernando Sabino a fazer uma descrição de si mesmo, declarou: “Sempre escrevi para ser publicado no dia seguinte. Como o marido que tem que dormir com a esposa: pode estar achando gostoso, mas é uma obrigação. Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento.”

Foi com Fernando Sabino e Otto Lara Resende que Rubem Braga fundou, em 1968, a editora Sabiá, responsável pelo lançamento no Brasil de escritores como Gabriel Garcia Márquez, Pablo Neruda e Jorge Luis Borges.

Segundo o crítico Afrânio Coutinho, a marca registrada dos textos de Rubem Braga é a “crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza.”

A chave para entendermos a popularidade de sua obra, toda ela composta de volumes de crônicas sucessivamente esgotados, foi dada pelo próprio escritor: ele gostava de declarar que um dos versos mais bonitos de Camões (“A grande dor das coisas que passaram”) fora escrito apenas com palavras corriqueiras do idioma. Da mesma forma, suas crônicas eram marcadas pela linguagem coloquial e pelas temáticas simples.

Como jornalista, Braga exerceu as funções de repórter, redator, editorialista e cronista em jornais e revistas do Rio, de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife. Foi correspondente de “O Globo” em Paris, em 1947, e do “Correio da Manhã” em 1950. Amigo de Café Filho (vice-presidente e depois presidente do Brasil) foi nomeado Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago, no Chile, em 1953. Em 1961, com os amigos Jânio Quadros na Presidência e Affonso Arinos no Itamaraty, tornou-se Embaixador do Brasil no Marrocos. Mas Braga nunca se afastou do jornalismo. Fez reportagens sobre assuntos culturais, econômicos e políticos na Argentina, nos Estados Unidos, em Cuba, e em outros países. Quando faleceu, era funcionário da TV Globo. Seu amigo Edvaldo Pacote, que o levou para lá, disse: “O Rubem era um turrão, com uma veia extraordinária de humor. Uma pessoa fechada, ao mesmo tempo poeta e poético. Era preciso ser muito seu amigo para que ele entreabrisse uma porta de sua alma. Ele só era menos contido com as mulheres. Quando não estava apaixonado por uma em particular, estava apaixonado por todas. Eu o levei para a Globo… Ele escrevia todos os textos que exigiam mais sensibilidade e qualidade, e fazia isto mantendo um grande apelo popular.”

Fonte: http://www.releituras.com

Passarinhos – Rubem Braga e Ruschi

Muito falei do naturalista Ruschi. É aquele homem que cria beija-flores (foi o primeiro sujeito no mundo que conseguiu isso) e que tem espalhado beija-flores pelo Brasil e pelo mundo. Visitei-o outro dia em Santa Teresa (três horas de automóvel para o norte de Vitória, no Espírito Santo) e conversamos sobre aves. Ele me contou que ficou indignado quando leu nos jornais que para aquele banquete da posse do presidente Juscelino o governo importara não sei quantas centenas de faisões da Europa. Os faisões, me explicou, são do Oriente, e é muito mais fácil criá-los no Brasil que na Europa. Já há quem crie no Brasil, ele mesmo sempre teve alguns casais. Entendeu-se com um amigo que vive em Teresópolis e organizou para ele uma criação de faisões; para o primeiro banquete de Brasília- capital promete dar de presente tantas centenas de faisões quantas forem necessárias.

Perguntei ao Ruschi se a carne do faisão é tão boa mesmo, ele disse: “é, parece a do macuco”. Então começamos a conversar sobre macuco, jacu, mutum, essas aves que estão sumindo do Brasil; perguntei se não era possível criá-las, ele disse que é facílimo. A conversa passou depois para o bicudo. O bicudo, passarinho de gaiola dos mais queridos do Brasil (há uma confraria secreta de amigos do bicudo, da qual faz parte, por exemplo, o editor José Olimpo) é um bicho que nunca ninguém criou em cativeiro, mesmo porque geralmente só se caça o macho. Ruschi me explica que em gaiola bicudo não se cria mesmo, ele precisa de algum espaço para seu vôo nupcial, como acontece com outros pássaros. A espécie tende a desaparecer com rapidez inclusive porque o bicudo é… monógamo. A fêmea põe duas vezes ao ano, sempre um casal; se um dos machos morre por algum motivo, ou é caçado, as fêmeas que sobram não se reproduzem.

Por que não fazer então uma criação de bicudo? Vale a pena: por menos de três contos não se compra hoje no Brasil um bicudo já “virado” que preste. E, já que existe o Ruschi, por que não criar também corrupiões, xeréus, curiós, graúnas, tanto pássaro encantador que o Brasil tem e está se acabando? Apelo para os amantes de passarinhos brasileiros que tiverem algum espaço e algum dinheiro: escrevam para o Dr. Augusto Ruschi, Santa Teresa, Estado do Espírito Santo, peçam a ele instruções para criar passarinhos. Não é triste criar apenas pássaros mais canoros, mais engraçados e mais amigos do homem que estão ameaçados de acabar para sempre? Escrevam ao Ruschi; ele ficará danado comigo, mas, apaixonado como é por essas coisas, não terá coragem de negar ajuda a ninguém (Rubem Braga).


Fonte: Crônicas do Espírito Santo, 1984 – 1ª Edição
Autor: Rubem Braga
Publicado em http://www.morrodomoreno.com.br
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