Avaliação II

Do Livro: “Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar
de Celso dos Santos Vasconcelos”

Lógica do Absurdo – Teses sobre a Avaliação pervertida ou sobre a perversão da avaliação

Do Caos ao Cosmos

Um dia o professor descobriu que podia mandar o aluno para fora da sala de aula, que a instituição cuidava de ameaçá-lo com a expulsão. Mais tarde, descobriu que tinha nas mãos uma arma muito mais poderosa: a nota. Começa a usa-la, para conseguir a ordem no caos. O Caos se fez cosmos, o maldito cosmos da nota…

A situação em que vivemos hoje sobre avaliação é tão crítica que gerou lógica do absurdo.

Tem sua lógica a escola:

  • Tem sua lógica a escola valorizar muito a nota e dar-lhe grande ênfase, pois, afinal, ela é o que de mais importante ali acontece. A escola precisa aumentar as exigências em relação as notas, para que os alunos a valorizem e estudem mais…
  • Tem sua lógica a escola montar todo um clima de tensão em cima das provas, pois, afinal, na sociedade também é assim, e a escola tem mais é que adaptar o aluno ao mundo que está aí… (o que ninguém confessa é que logo mais a escola terá matérias do tipo: “Estudos avançados em Corrupção III”, “Seminários de Exploração Alheia II”, Técnicas Contemporâneas de como Levar Vantagem em Tudo IV”, etc.).
  • Tem sua lógica a escola ceder às pressões dos pais e de muitos professores no sentido de não mudar o sistema de avaliação, pois, afinal de contas, sempre foi assim…
  • Tem sua lógica as escolas usarem o argumento da transferência dos alunos como justificativa de não mudança de suas práticas, pois assim garante-se que nenhuma escola mude e se perpetue o sistema…
  • Tem sua lógica o professor fazer toda a supervalorização das notas, pois, caso contrário, não consegue dominar a classe. O professor não pode dar muita nota no começo do ano, senão perde o controle da turma…
  • Tem sua lógica o aluno ir mal no 4º bimestre, tirando só a nota que precisa, pois está interessado em passar e não em aprender. Trata-se da Síndrome do 4º Bimestre: “Não quero deixar pontos para a secretaria”…
  • Tem sua lógica o professor só valorizar a resposta certa, pois, na sociedade, é isto que importa. O professor respeitado por pais, alunos e direção, o bom professor, não é aquele que dá boa aula, mas aquele que é “durão”…
  • O fato dos alunos terem “branco”, medo, nervosismo, ansiedade, etc., etc., é tudo culpa deles (e das famílias), por não terem o hábito de estudar todo dia. A escola nada tem a ver com isso…
  • Os alunos ainda não perderam esta terrível mania de acreditar mais no que fazemos do que no que falamos. Nós falamos toda hora que o importante não é a nota e eles não acreditam, só porque, com relação a provas e notas, fazemos semanas especiais, dias especiais, horários especiais, papéis especiais, dificuldades especiais, comportamentos especiais, rituais especiais, conselhos especiais, assinaturas especiais dos pais, datas especiais para entrega, pedidos especiais de revisão, legislação especial, reuniões especiais com professores e pais, caderneta especial, ameaças especiais através de nota, rotulações especiais em função da nota, tratamento especial para os alunos de acordo com as notas que tiram, etc. Tem sua lógica o aluno dar mais ênfase à nota, pois sabe que, no fundo, é ela que decide sua vida.
  • Tem sua lógica o aluno não estudar todo dia, na medida que nem percebe essa necessidade, já que o professor vai transmitindo tudo tão direitinho, “dando” tão bem a matéria, o ponto, que ele tem a sensação que, de fato, está aprendendo…
  • É muito comum a prova tipo “Amazona aestivata” (ave psitaciforme, da família dos psitacídeos, mais conhecida como Papagaio); também chamada de prova “bate e volta” (bate no aluno e volta para o professor). O professor faz a pergunta para ouvir exatamente o que disse na aula. Tem sua lógica o aluno estudar na véspera da prova, na medida que comumente a prova é decorativa e, como se sabe, o que é decorado fica pouco tempo na memória…
  • Tem sua lógica os professores desejarem “Boa sorte” na prova, já que freqüentemente as questões são irrelevantes e arbitrárias, sem contar as vezes em que esta expressão tem um sentido velado de vingança…
  • Tem sua lógica os alunos fazerem bagunça durante as aulas, para “segurar” o professor que quer despejar novas matérias, pois assim há menos pontos para estudar para a prova…
  • Muitas vezes, diante de provas que não exigem reflexão, mas apenas nomes, classificações, datas, locais, etc., a “cola” representa uma forma de resistência do aluno…
  • Tem sua lógica os professores fazerem avaliação sem ouvir os alunos, afinal, é assim que eles também são avaliados por seus superiores…
  • Tem sua lógica o aluno adular o professor, na medida que, de modo geral,os professores não têm maturidade para ouvir uma crítica…
  • As classes populares queriam escola e o governo deu, agora, são reprovadas e se evadem, porque “não têm condições” de acompanhar o “nível” do ensino. Tem sua lógica o aluno evadir-se da escola, na medida que sente que não adianta continuar, uma vez que, tendo sido rotulado, estabeleceu-se sobre ele uma “profecia auto-realizante” de fracasso…
  • Tem sua lógica o aluno pouco falar e pouco escrever, na medida que, segundo muitos professores, quanto mais se escreve, mais se pode errar…
  • Tem sua lógica os pais prepararem os filhos para as provas na base do “questionário”, na medida que é isso que acaba caindo mesmo…
  • Tem sua lógica os pais engolirem os “sapos” da escola e dos professores,pois sabem que se reclamarem muito, os prejudicados serão seus próprios filhos, e, além do mais, o que interessa mesmo é o diploma…
  • Tem sua lógica os filhos estarem preocupados em tirar nota para os pais,pois sabem que existe uma relação direta entre a nota e a qualidade do presente ou o tamanho da surra…
  • Tem sua lógica o professor fazer a avaliação dos alunos apenas em determinados momentos, de forma estanque, pois também é assim que está acostumado a avaliar o seu trabalho e o da escola (quando muito, nas famosas “reuniões bimestrais”)…
  • Tem sua lógica o professor “distribuir” nota no final do ano, pois assim não fica com alunos para recuperação, nem tem chateação com pais, alunos e escola pro causa de eventuais reprovações…
  • A escola tem desempenhado bem o seu papel, pois recebe crianças curiosas, vivas, alegres e em poucos anos consegue deixá-las indiferentes, obedientes, desgostosas, passivas. Onde já se viu ter alunos fazendo aquelas desagradáveis perguntas: qual o sentido do que estou aprendendo? Para que serve isto? Qual a importância disso para o meu futuro?
  • Seria melhor que voltasse a violência física na escola (palmatória,beliscão, joelho no milho, etc.), pois ao menos o aluno poderia se defender, já que a violência simbólica, psicológica é mais difícil de ser denunciada e enfrentada, na medida que suas marcas são mais sutis e profundas…
  • Antes de mudar o sistema de avaliação da escola precisa pensar bem, pois se de fato ele melhorar, vai causar desemprego para muita gente que sobrevive do estrago que a nota faz nos alunos: professores particulares, empresas de aula de reforço, clínicas de recuperação, psicólogos, psicopedagogos, etc…
  • Dizem que um certo ministro da educação, querendo entrar na história de qualquer jeito, resolveu acabar com o sistema de notas e reprovação. Antes, porém, de solicitar Medida Provisória, atendeu inúmeros pedidos de seus
    assessores, no sentido de que fosse feito um estudo da repercussão de tal medida na rede escolar. Diante do “Relatório de Impacto Ambiental”, o ministro teve que voltar atrás, pois percebeu que entraria para a história sim, mas como aquele que desmoronou o sistema escolar, tal seria a desorientação e o desespero que a ausência de notas provocaria num sem-número de professores…

As afirmações anteriores são desconcertantes, mas lamentavelmente, têm sua “lógica”; expressam o grau de perversão a que chegou a situação de avaliação no sistema escolar.

É possível reverter essa situação? O que se pode fazer?

Nossa opção por uma educação libertadora, não nos permite a acomodação ou a simples acusação e o cruzar de braços.

Temos o dever de denunciar, mas também de anunciar, buscar alternativas, mesmo que limitadas num primeiro momento.

Assim é que é necessário colocar a avaliação em questão, para poder transformá-la.

Fonte: http://mirianferminiano.blogspot.com.br e http://www.nre.seed.pr.gov.br
Print Friendly, PDF & Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.