Quem disse que as crianças não aprendem?

Maria da Glória Costa Reis
Autora do livro “Escola, instituição da tortura”

É até prova de inteligência não suportar
a mesmice intragável da nossa escola…
Lauro de Oliveira Lima

Nada é tão petulante e enganoso quanto dizer que “os alunos não aprendem” como está na moda atualmente. Professores chegam ao ponto de transcrever erros de provas dos alunos para a internet com a finalidade de espalhar essa falácia. Além de falsa, é uma atitude cruel, pois ninguém tem o direito de impor humilhação a quem quer que seja, ainda mais partindo de supostos “educadores”.

Afirmo que ninguém está sabendo o que significa aprender. Primeiramente, é preciso responder a uma pergunta: “Aprender o quê?” Obviamente, os professores responderão que aprender é ler livros e escrever no caderno, pois é só isso o que conta e é valorizado na escola.

Não importa que a criança leia o mundo à sua volta ou que ela escreva bilhetes cheios de emoção para as pessoas de quem gosta, inclusive a professora. Interessa que ela não aprendeu o que os professores (ou o sistema) querem que ela aprenda.

Depois é preciso perguntar: aprender como? Quantas aulas por ano damos aos nossos alunos? Destas aulas, ainda são retiradas 10% para testes e provas. Em todas as aulas, gasta-se no mínimo 15 minutos para a anedótica chamada. E calcula-se que a falta dos professores atinja uma média de 20%. Por tudo isso, Lauro de Oliveira Lima diz no seu livro “Escola no futuro”: “Devemos nos assombrar com a capacidade fenomenal do estudante brasileiro de aprender tanta coisa em tão pouco tempo”.

Então, na verdade, estão todos enganados: as crianças aprendem, e muito!

A escola é que não aprende. Como diz a escritora Adélia Prado: a escola é do tempo de Adão e Eva. Não existe instituição mais parada no tempo do que essa que (de) forma nossas crianças.

Um exemplo: sempre observei nas escolas públicas em que trabalhei, o quanto as crianças são fantásticas para aprender letras de música da atualidade. Eu promovia “show de calouros” com os alunos e me deliciava com os talentos diversificados que se apresentavam enchendo de alegria e criatividade os palcos improvisados. Crianças pequenas, que nem ainda são alfabetizadas, memorizam letras imensas de músicas com temas de seu interesse, ou mesmo até não condizentes com suas idades, como as músicas sertanejas. Como não aprendem?

E essas mesmas crianças, com uma incrível capacidade de assimilação, são mais tarde, consideradas “um fracasso” nas fatídicas avaliações escolares, que mereciam mais o nome de “pegadinhas”, ou de “jararaca”, como bem denominou o escritor Chico Guill no seu esplêndido artigo “A pedagogia do absurdo”.

Também o escritor Mário Prata escreveu certa vez uma carta ao Ministro da Educação agradecendo o uso de uma crônica de sua autoria numa prova de vestibular, mas confessando que, das oito questões colocadas sobre seu texto, ele não conseguiu responder nem uma. E completou dizendo duvidar que o próprio ministro acertasse as malfadadas questões.

Repito: as crianças sabem e muito. É uma pena que os professores não sabem disso. Ou não querem saber. É uma pena que as escolas estejam tão distantes da vida real, e com isso, condenando os alunos à sensação de fracasso, que vai, indubitavelmente, empurrá-los para a evasão escolar e consequente exclusão na sociedade, já que o êxito escolar é o nosso rito de passagem da atualidade.

As crianças também ensinam, são excelentes professores. Sou grata aos meus alunos pelo tanto que aprendi com eles. Não a ler e a escrever, porque isso eu aprendi fácil por viver numa época em que não havia televisão, vídeo-games, computador, e ler era um distração, um prazer. Não éramos obrigados a ler para depois responder as perguntas estapafúrdias que a escola impõe hoje aos alunos. Então, líamos soltos, por gosto, sem estar preocupados com as arapucas das provas para pegar o que “não sabemos” do que lemos.

Cito um exemplo de quando eu era professora numa escola pública de um bairro de periferia extremamente pobre. Na hora do recreio ficavam grupinhos de crianças agachadas enfiando pauzinhos em buracos no chão do pátio de terra batida. Perguntei o que estavam fazendo. Eles responderam que caçavam aranha caranguejeira. E me mostraram a coisa fantástica que é um ninho dessas aranhas. Lá estavam eles me dando uma lição de ciências, que eu nunca aprendera na escola. Se não fossem eles, os meus alunos, certamente, não saberia até hoje. Pisamos em cima desses ninhos e não sabemos. As aranhas forram todo o buraco na terra com uma seda feita de teia, onde nascem os filhotes e depois fecham com uma tampa rigorosamente redonda que nos faz identificar onde estão os ninhos. Passei a me divertir na hora do recreio com os alunos me ensinando a procurar as tampas, localizar os ninhos, destampar devagar, enfiar um pauzinho e ficar esperando o momento que ele se mexe, indicando que as aranhinhas se agarraram em suas bordas. Puxa-se o pau e lá vem ele cheio de filhotes de aranha. Era a hora da festa: quem pegava mais aranha. E recebi deles outra grande lição: o respeito à natureza, não matavam, voltavam as bichinhas para o ninho novamente.

Aconteceu que recentemente na minha casa, deu de aparecer aranha caranguejeira, daquelas enormes, peludas, assustando a todos. Uma chegou, inclusive, a compartilhar o sofá que sentamos para ver televisão. Só numa semana, apareceram quatro aranhas. Todos fazem o maior escarcéu ao deparar com as bichinhas, mas ninguém faz a pergunta fundamental: como impedir o surgimento das aranhas dentro de casa?

Concluí que precisava descobrir de onde elas vinham para poder evitá-las. Procurei nos livros e nada. Na Internet- pensei – vou achar tudo. Lá fui eu para os sites de busca, consultando todos, abrindo várias páginas sobre caranguejeiras. Nada! Falam da classificação no reino animal, as partes do corpo, se tem ou não veneno e mais uma infinidade de informações. Mas nenhum falou do seu ninho redondinho sob a terra.

Lembrei-me então dos meus alunos que me ensinaram como achar o ninho de onde vêm as caranguejeiras… Benditos professores de verdade, cujas lições têm serventia para a vida! Rastreei o quintal e o jardim, e lá estavam elas, dezenas das tampinhas sobre a terra, onde proliferavam as aranhas que infestavam minha casa. Resolvida a questão.

Só não segui a última lição dos meus pequenos professores: o respeito à natureza. Fiz uma matança. Pensei no quanto me reprovariam. Mas o milenar medo das caranguejeiras falou mais alto. As aranhas desapareceram.

Emocionei-me pensando neles, nos meus meninos, especialistas em aranhas, cuja maioria não deve ter concluído nem a 8ª série, porque os professores acham que eles não aprendem. Subestimam e desperdiçam a inteligência fantástica de nossas crianças.

Que pena! Quem não aprende mesmo é a escola. Não aprende a ensinar.

Fonte: http://www.educacaopublica.rj.gov.br