O que é acesso ao patrimônio genético?

Passados mais de quatro anos da primeira edição da Medida Provisória –MP que regula o acesso ao patrimônio genético, o acesso aos conhecimentos tradicionais associados e a repartição de benefícios e passados mais de dois anos da implantação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN – órgão competente para o controle do sistema de acesso -, verifica-se que ainda há uma gama de atividades à margem da legislação.
Uma das razões desse “déficit” encontra-se no nível de complexidade que a matéria traz, isto é, há uma falta de compreensão quanto à abrangência das atividades reguladas pela MP. Perguntas como O que é patrimônio genético? O que é acesso? Como se obtém uma anuência prévia? permeiam o dia-a-dia de quem lida com a matéria, e suas respostas são fundamentais para um adequado entendimento do tema. (Paula Cerski Lavratti)

A Orientação Técnica n° 1,do CGEN, conceituou “acesso ao patrimônio genético” com a atividade realizada sobre o patrimônio genético com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar informação de origem genética ou moléculas e substâncias provenientes do metabolismo dos seres vivos e de extratos obtidos destes organismos, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando a sua aplicação industrial ou de outra natureza.

Segundo o site do CNPq:
A Orientação Técnica n° 1 implicou em uma diferenciação entre coleta (uma atividade de campo) e acesso (uma atividade de laboratório), distinção não contemplada na Medida Provisória 2.186-16/2001. Portanto, para acessar o patrimônio genético é preciso antes coletar as amostras (o que é feito no campo) ou obtê-las em coleções (herbário, banco de DNA etc.).

A publicação do CGEN Calendário Informativo 2010, de modo didático, exemplifica a diferença entre acesso e coleta:
“Acesso ao patrimônio genético: é, por exemplo, usar as amostras de plantas, animais, microrganismos ou substâncias para estudar do que são feitas, para que servem, para verificar se elas servem para produzir algum produto comercializável. Este trabalho, na maioria das vezes, é feito em laboratórios. Para acessar o patrimônio genético é preciso antes coletar as amostras (o que é feito no campo) ou obter as amostras em coleções”.

O CGEN credenciou o CNPq para autorizar apenas o acesso (e não coleta) a amostra de componente do patrimônio genético, e com finalidade exclusiva de pesquisa científica. O credenciamento do CNPq é similar ao obtido pelo Ibama, em 2003, que ainda continua credenciado pelo CGEN. Portanto, a autorização de acesso ao PG pode ser solicitada tanto ao CNPq quanto ao Ibama.

Por outro lado, somente o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) pode autorizar a coleta de material biológico, o que é feito por meio do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (Sisbio).

Segundo artigo escrito por Gleyse Gulin de Albanese publicado em http://www.gazetadopovo.com.br

A Convenção de Diversidade Biológica (CDB) buscou compatibilizar a conservação da biodiversidade à utilização sustentável e à partilha dos benefícios gerados pelo uso e exploração dos recursos genéticos, além de reafirmar o direito soberano dos Estados sobre seus próprios recursos naturais, sejam eles biológicos ou genéticos. Por conseguinte, a regulamentação ao seu acesso ficou a cargo dos Estados detentores de biodiversidade. No Brasil, o texto da Convenção tornou-se vigente em 16/03/1998, com o Decreto 2.519. Após várias iniciativas de Projetos de Lei para implementação, foi editada a Medida Provisória 2.186-19, de 23/08/2001, que passou a regulamentar o acesso ao patrimônio genético

Com relação a distinção entre a coleta e o acesso ao patrimônio genético, a Medida Provisória não havia deixado claro se a coleta, ou seja, a remoção da espécime, era equivalente ao acesso do patrimônio genético. Na tentativa de dirimir tal dúvida, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) editou a Orientação Técnica 1/2003, a qual definiu o acesso como “a atividade realizada sobre o patrimônio genético com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar informação de origem genética ou moléculas e substâncias provenientes do metabolismo dos seres vivos e de extratos obtidos destes organismos”.

No entanto, sobre o mesmo assunto, o Sr. Ministro Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça, em decisão ao agravo regimental, a posteriori a Orientação Técnica do CGEN, desenvolveu outro entendimento, partindo da interpretação da própria letra da lei. Para o relator, a rápida leitura do texto legal (art. 7º, IV da MP) é o suficiente para precisar o conceito chave ao deslinde da questão: “acesso ao patrimônio genético é mera obtenção de amostras. […] Acesso ao patrimônio genético não é pesquisa, não é o estudo, não é a construção da ciência que tem o patrimônio genético como objeto. Repita-se: acesso ao patrimônio genético é coletar amostras. É isto que está escrito no ato normativo.” (STJ, AgRg na SLS n. 1438, Ministro Relator Ari Pargendler, in D.J.E 28/02/2012) Ou seja, na decisão, o Relator equivaleu coleta à acesso, sendo ambas regulamentada pela Medida Provisória.

O art. 2º da Medida Provisória dispõe que, “o acesso ao patrimônio genético existente no País somente será feito mediante autorização da União e terá o seu uso, comercialização e aproveitamento para quaisquer fins submetidos à fiscalização, restrições e repartição de benefícios nos termos e nas condições estabelecidos nesta Medida Provisória e no seu regulamento”. A discussão aqui paira sobre a necessidade ou não de autorização do Poder Público a algumas finalidades de acesso, eis que a exigência se torna muito rigorosa à pesquisa cientifica, considerando que apenas uma pequena parcela chega a desenvolver um produto ou processo sujeito à exploração econômica.

Nesse sentindo, na mesma decisão o referido Relator do STJ questionou e ponderou: “ quando serão, então, necessárias as prévias licenças da União para o “acesso” de material para pesquisa genética? […] A resposta que se impõe é que a restrição é aplicável sempre que tratarmos de coleta (i. e. “acesso”) de espécimes de nossa flora ou fauna nativa, inseridos no respectivo meio ambiente original e não objeto de cultivo comercial de larga escala. Nestas hipóteses sim, em se tratando de animais e vegetais nativos, que remanescem inseridos no contexto de seus ecossistemas originários (pouco importando se ameaçados de extinção ou não), impõe-se a prévia autorização da União para a respectiva coleta”.

Que teia de aranha!