Museus e Coleções Biológicas

Estudantes visitam a coleção zoolóogica do MBML

Estudantes visitam a coleção zoolóogica do MBML


Artigo publicado pelo MZUSP

O estudo da biodiversidade compreende o reconhecimento das espécies de plantas e animais em uma dada região, sua descrição e classificação.

Inclui também o estudo de ecossistemas naturais e das populações que os compõem, bem como dos procedimentos necessários à sua preservação futura.

Esse estudo pode ser desenvolvido visando ao conhecimento das causas imediatas dos fenômenos observados, por exemplo, através da pesquisa ecológica.

Por outro lado, o estudo da origem evolutiva da biodiversidade ou das causas distantes de processos e fenômenos também contribui significantemente para nosso conhecimento nesse campo.

Em qualquer nível ou abordagem que se pretenda, as coleções zoológicas possuem um papel central no que se refere ao estudo da diversidade animal.

Tipicamente, coleções zoológicas são conjuntos de animais coletados, geralmente, em ambientes naturais e preparados especialmente para que permaneçam em condições de estudo por centenas de anos.

Essas coleções podem também abrigar produtos da atividade animal, tais como ninhos e pegadas.

No passado, as coleções zoológicas eram vistas pelos naturalistas quase como coleções de selos, em que espécies raras possuíam grande valor e as comuns quase nenhum.

Além disso, grande parte do acervo era destinado à exposição pública, visando a exibir o espólio de terras exóticas, tributo do poderio colonial.

Embora ainda hoje as exposições públicas dos museus de história natural em todo o mundo sejam importantíssimas, no sentido de expor a diversidade biológica, e as espécies raras sejam ainda valorizadas cientificamente, o conceito moderno de uma coleção zoológica é bastante diverso.

As coleções zoológicas são um acervo de espécimes que funcionam como uma amostra da diversidade existente no mundo real; espécies raras e comuns são igualmente partes dessa amostra, a partir da qual são feitas inferências sobre a real diversidade biológica.

Para que se compreenda a importância das coleções zoológicas é necessário conhecer sua estrutura básica, como são mantidas e que usos se podem fazer delas.

O primeiro passo na criação e estruturação de coleções zoológicas é a coleta de espécimes. A coleta é realizada por biologistas ou coletores profissionais em áreas (localidades) escolhidas, geralmente, por serem desconhecidas zoologicamente, por conterem diversidade biológica significativa, ou por se suspeitar que abriguem espécies que permitam esclarecer algum problema biológico relevante.

Os coletores utilizam diferentes métodos no campo para obtenção de animais, dependendo do grupo em estudo. A seguir, os indivíduos (ou colônias) obtidos são preparados para se evitar sua degradação – essa preparação pode ocorrer ainda no campo ou pode ser completada em laboratório.

No laboratório, um especialista examina o material obtido e procede à sua identificação, ou seja, tenta-se atribuir aos indivíduos ou colônias coletados o nome científico apropriado.

Nesse trabalho, o especialista é freqüentemente capaz de reconhecer se existem espécies novas para a ciência em meio ao material coligido.

Passa-se então à fase de tombamento do material em um catálogo da coleção. No caso de serem obtidos numerosos exemplares de uma mesma espécie (como no caso da coleta de milhares de indivíduos de cupins diretamente do cupinzeiro), os espécimes são tombados conjuntamente em lotes; casos sejam obtidos apenas poucos indivíduos por espécie (como freqüentemente ocorre com aves e mamíferos), são tombados individualmente.

Assim, a coleção irá finalmente possuir espécimes agrupados em lotes ou distinguidos individualmente, numerados, acessíveis aos pesquisadores. É importante ressaltar que, com pouquíssimas exceções, não existem espécies em demasia nas coleções, uma vez que qualquer material considerado excedente é sempre excelente material de troca, pela qual se pode obter espécimes de táxons que a coleção não possui, aumentando seu valor científico.

O material estudado, então, poderá conter novas espécies. Essas são descritas por especialistas, em publicações científicas de ampla divulgação. Na maioria das vezes, um dos espécimes da coleção é escolhido como holótipo: o espécime que deverá estar ligado indefinidamente ao nome proposto para a nova espécie. Outros exemplares da mesma espécie utilizados e publicados na descrição da nova espécie serão designados parátipos.

Assim, uma coleção zoológica conterá, quase sempre, um grande número de espécimes ordinários, bem como alguns espécimes-tipo: holótipos, parátipos e outros não mencionados.

Assim, ao longo do tempo, a coleção irá conter espécimes provenientes de diversas localidades dentro da área de escopo da coleção. Não é incomum que os espécimes provenham de regiões tão completamente alteradas pela atividade humana que praticamente não existam ali organismos silvestres.

Além disso, a coleção zoológica deverá conter informações sobre os ambientes e hábitos dos animais coletados, anotados pelos coletores de campo. Como o número de espécimes e localidades representados em uma coleção é extremamente variado – dependendo da história do estudo do grupo zoológico, a facilidade de captura, o custo de obtenção de espécimes e de outros fatores -, as coleções zoológicas sempre serão amostragens localizadas e restritas da diversidade biológica. Isso é verdadeiro mesmo para as maiores coleções zoológicas do planeta.

Entretanto, limitadas como são, as coleções zoológicas são a fonte mais importante de informações sobre quantas espécies existem, como são essas espécies e onde existem. Sem esse tipo de dados, estaríamos ainda na idade da pedra do estudo da Biodiversidade.

Em termos práticos, a coleção zoológica utilizada por um especialista é a maneira mais segura para que outros cientistas (incluindo ecólogos, agrônomos, pesquisadores de saúde pública) possam obter identificações seguras das espécies com que trabalham, além de ser o lugar ideal para depósito de material testemunho de suas próprias pesquisas.

A partir das coleções zoológicas, ecólogos podem comparar diferentes áreas quanto à diversidade de organismos ali encontrados; podem testar, através de dados biométricos obtidos dos espécimes, hipóteses sobre padrões de ocupação de nichos; podem ainda, utilizando os dados sobre os ambientes onde os espécimes foram coletados, fazer inferências sobre preferências de hábitats pelas diferentes espécies.

Já os zoólogos interessados no estudo da evolução animal podem estudar a anatomia dos espécimes e elaborar hipóteses sobre suas relações de parentesco. Além disso, como o conhecimento da diversidade animal está em constante revisão, devido tanto ao aumento das amostras disponíveis quanto à utilização de novos paradigmas científicos, os zoólogos podem examinar as séries de espécimes depositados nas coleções zoológicas e reavaliar a composição das espécies de grupos estudados anteriormente em condições menos favoráveis.

Tais estudos freqüentemente modificam nosso conhecimento sobre o número de espécies em um determinado grupo, sua morfologia e regiões de distribuição. Podem ainda estudar os padrões de distribuição geográfica reconhecíveis pela sobreposição de distribuições coincidentes e propor hipóteses biogeográficas.

Biólogos moleculares podem também extrair amostras dos espécimes e utilizar o material para seqüenciamento de DNA ou RNA, contribuindo para o conhecimento da evolução dos diferentes grupos.

As coleções zoológicas tradicionais e bem estruturadas são, entretanto, mais que o simples conjunto de espécimes e especialistas. Incorporam vastas bibliotecas e diversos setores de apoio. Minimamente, estes incluem setores de taxidermia e preparação de espécimes, setores de documentação científica, com técnicos especializados.

Além disso, mantêm revistas científicas institucionais, com pessoal de apoio editorial.

A incorporação de equipamentos modernos e especializados, como microscópios eletrônicos de varredura e seqüenciadores de DNA, freqüentemente multidisciplinares, envolve também pessoal especializado adicional.

Material e estrutura de coleta de uso comum exige um setor e pessoal de apoio especializado. Finalmente, um setor devotado à criação e manutenção de uma exposição pública é comum em grandes instituições e também emprega pessoal especializado.

Resumindo, as coleções zoológicas são centrais no estudo da diversidade animal, podendo permanecer em bom estado por séculos. Os acervos biológicos nelas contidos representam amostras significativas da diversidade, para estudo por especialistas em diversos campos da pesquisa biológica, aplicada ou básica. A manutenção de exposição pública representa uma ponte necessária e conveniente entre a pesquisa e a sociedade.

Fonte: www.biota.org.br